Roupas no chão

Ela enrroscou-se preguiçosamente nos lençois. Abraçou-o carinhosamente. Sorriu. O sol entrava fracamente pela janela semicerrada tocando-os calidamente. Se não fossem aqueles momentos, ela com certeza enlouqueceria. Olhou-o. Ele ainda dormia placido. Era uma bela visão. Assim quietinho, calmo, dormindo. Quem visse a fera que era nas madrugadas não acreditaria no anjinho que repousava sobre ela. Mas ele não durmiria para sempre, assim como ela não poderia ficar para sempre ali. Descobriu-se lentamente. E esgueirou-se silenciosa para fora da cama. Entre a profusão de roupas e almofadas procurou por sua calcinha e por seu vestido.
Em pouco tempo teria que passar em casa, arrumar-se e voltar para sua vidinha. Com o pai mandão. O noivo desatencioso. O trabalho insuportavel. A mãe apatica. Voltaria para ser uma sombra que segue e obedece. Um fantasma que ri e faz o que deve. Como gostaria de ser livre e poder fugir de tudo aquilo que a aprisionava. Mas não podia. Ela sabia que por mais que quizesse aquela era sua vida. Por mais infeliz que fosse.
Um suave ronco veio da cama. E ela olhou-o enternecida. Ao menos, ele estava ali. Não era muito. Mas era o suficiente para que ela continuasse a acreditar que estava viva. Ele a fazia viva. Ele a tornava algo mais que uma sombra. Ele a transformava em gente. Nas poucas horas que tinham por semana. Ela era viva. Ela era amada. Pena que isso não poderia ser real. Pena que a vida não podia segui-la para fora daquele quarto e apoderar-se dela. Pena que suas estrelas e seu céu ficariam eternamente presos por uma noite.
Já a porta, ela virou-se para ele. Que acordava manso. Sabia que tinha que apressar-se. Caso ele a encontra-se, a fera iria querer retornar a ação, e então ela se atrasaria. Criaria tantos problemas. Exigiria tantas explicações. No momento, ela sentiá-se rebelde e viva. E quando ele sorriu-lhe sincero e indicou o espaço vazio da cama ela parou. Segurava firmemente a maçaneta. Sua rebeldia agora vacilante. Olhava para a apatia que a esperava porta a fora e encarava a vida que se encontrava porta a dentro. Ele cansou-se. Descidiu-se por ela. Levantou com impeto. Segurou-a com força. Arrastou-a para a cama.
E suas roupas perderam-se na profusão do chão.
E eles enroscaram-se nos lençõis.
E o dia viu-os.
E tudo o mais se perdeu.

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